Além de não haver incremento real nos investimentos do novo Plano Safra, governo federal penaliza a Agricultura Familiar com o aumento drástico nos juros do Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar)
Por FETRAF-SC
Quem se preocupa com uma alimentação saudável, seguramente tem frutas, legumes e verduras da Agricultura Familiar em sua mesa. São as famílias do campo as responsáveis por dois terços dos alimentos consumidos no Brasil, segundo dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO).
Uma família de agricultores, que produz variados alimentos no quintal de casa, não tem o mesmo aporte financeiro das grandes agroindústrias, tampouco, sua estrutura. Como então garantir que esses agricultores consigam acessar os recursos fundamentais para iniciar a produção?
Levar alimento de qualidade para o prato dos brasileiros não é tão simples. Depende de fomento, tecnologia, assistência técnica e todo o suporte que a produção exige; e isso só acontece quando existe investimento em políticas públicas para a produção familiar. É por isso que o Plano Safra, criado em 2003, prevê linhas de crédito com juros baixos, como o Pronaf, seguro rural e apoio à comercialização para a Agricultura Familiar.
O Plano Safra sob a ótica da Agricultura Familiar
Além de garantir a produção de alimentos para toda a população, fortalecendo nossa soberania alimentar, o Plano Safra também serve como um mecanismo para frear o êxodo rural e dar motivos contundentes para que a juventude não abandone a Agricultura Familiar. A ideia é que o agricultor familiar consiga custear a produção, assegurando renda e qualidade de vida no campo.
A lógica do Plano Safra, portanto, é gerar essa reação em cadeia, culminando em uma série de benefícios para a sociedade, o que inclui uma solução viável ao problema mais vergonhoso que uma nação pode ter: a fome.
Agora, imagine uma ferramenta – que foi pensada para sustentar a cadeia produtiva, manter as famílias no campo e desviar o país da rota da desnutrição – ser usada como instrumento de especulação financeira para privilegiar a produção de commodities e potencializar as exportações?
Em um momento de pandemia, combinado com a pior estiagem dos últimos 100 anos e a volta do país ao mapa da fome, em que a miséria bate na porta de 4,4 milhões de famílias que vivem e geram renda no campo, é exatamente esse o projeto do governo federal diante do Plano Safra 21/22, anunciado em junho pela ministra da Agricultura, Teresa Cristina.
Usando como eixo a informação de que houve um acréscimo de 6,3% nos investimentos com relação ao ano anterior, o Ministério coloca a Agricultura Familiar na posição de protagonista desse Plano Safra. Essa narrativa não deve ser acatada sem um esforço interpretativo sobre a realidade das famílias que produzem no campo.
O que se observa é que esse planejamento foi conduzido dentro dos gabinetes, sem ouvir o elo mais impactado, que é o agricultor familiar. Sobra para quem representa esses trabalhadores se debruçar sobre o anúncio e simular, na prática, o efeito da atualização desse Plano sobre a produção familiar.
Para a Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar de Santa Catarina (FETRAF-SC), o novo Plano Safra, além de estar distante de suprir a atualização do custo das produções agrícolas, penaliza os pequenos com juros pesados e impõe exigências que deixam de fora milhares de famílias.
Aumento nos juros
O governo anuncia que a Agricultura Familiar teve um acréscimo de investimentos na casa dos 19%, com destinação de R$ 39,34 bilhões para financiamentos do Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar). À primeira vista, esse número aparenta ser expressivo, mas, na prática, o Plano não apresenta nenhuma política pública estruturante para a Agricultura Familiar, e não é suficiente para cobrir a alta no custo da produção agrícola, que chega a registrar um aumento de 40% em algumas propriedades, conforme levantamento da Federação.
O cenário é ainda mais preocupante quando consideramos as taxas desse aporte. Em anos anteriores, o juro do Pronaf estava na casa de 2,75%. Hoje, o agricultor familiar e as cooperativas pagarão de 3 a 4,5% se levantarem subsídios através desse Programa.
O governo, portanto, assume um discurso de apoio à Agricultura Familiar que é facilmente desconstruído quando o Plano Safra é analisado com atenção.
Outro exemplo que comprova esse descaso do governo federal com a Agricultura Familiar é a redução drástica nos investimentos em tecnologia, capacitação e prestação de serviços para os trabalhadores do campo.
O Brasil já teve, em seu Plano Safra, a subvenção de R$ 600 milhões apenas para a Assistência Técnica e Extensão Rural. Hoje, esse aporte não passa de R$ 81 milhões.
Seguro Agrícola prejudicado
O prejuízo também é confirmado na seguridade desses agricultores. O governo destinou apenas R$ 1 bilhão para a Subvenção ao Prêmio do Programa de Seguro Rural (PSR) e ainda teve o atrevimento de liberar R$ 50 milhões para estimular esses trabalhadores a procurarem o seguro privado.
Essa clara intenção em migrar o Seguro Agrícola do campo público para o privado representa uma armadilha para a Agricultura Familiar, à medida que reduz ainda mais a voz dos agricultores e privilegia, outra vez, os grandes empresários.
Sem opção para garantir a segurança da produção, os agricultores estarão sujeitos às decisões unilaterais das organizações privadas, que poderão aumentar o valor do seguro deliberadamente, sem discussão.
Soberania alimentar em risco
Realidade também excluída pelo Plano Safra, o abastecimento alimentar do nosso país está em risco, e essa crise vem sendo alertada há vários anos pelas entidades que representam a Agricultura Familiar.
Não há, no Plano Safra 21/22, qualquer menção à formação de estoques pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) ou de recursos para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que vem respirando por aparelhos.
Com todos esses recortes sobre a situação da Agricultura Familiar diante do Plano Safra 21/22, fica evidente a intenção populista do governo federal em anunciar medidas meramente paliativas: não há preocupação real deste governo em criar uma política efetiva e de longo prazo para a Agricultura Familiar deste país.
Quem comemora essas políticas anunciadas são as grandes agroindústrias e o sistema financeiro, ninguém mais.