Com produção 40% mais cara, Rosane Mattielo, que produz leite no interior de Itá-SC, não enxerga vantagens do novo Plano Safra para os agricultores familiares.
O galo nem cantou na comunidade de Nova Santa Cruz, interior de Itá-SC, e Rosane já está de pé, na cozinha, esquentando água para o chimarrão. Com um longo e pesado dia pela frente, um agricultor familiar sabe que toda a energia é bem-vinda para ajudar a enfrentar a rotina, que só termina com o cair da noite.
Quem produz alimentos no campo, como a família da Rosane, não tem dia nem hora para trabalhar; não descansa final de semana e raramente tem férias. Entretanto, mesmo com dedicação exclusiva, dificilmente essas famílias de trabalhadores conseguem levantar todos os recursos que a produção exige antes de ser iniciada.
Considerando a importância da Agricultura Familiar para a garantia da soberania alimentar e de políticas de combate à fome do país, sendo também um importante pilar da economia brasileira, é natural esperar que a União dedique esforços para manter essas famílias no campo, produzido alimentos para a nação e com qualidade de vida. O Plano Safra surge em 2003 como uma política pública que também foi pensada para atender essas demandas da produção familiar do nosso país.
Para a FETRAF-SC (Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar de Santa Catarina), o governo Federal está na contramão dessa preocupação, e demonstra descaso com a produção familiar do país com o Plano Safra 2021/22, anunciado em junho. “Além de não haver incremento real de investimentos, o Plano penaliza os agricultores familiares com o aumento nos juros do Pronaf”, denuncia Jandir Selzler, coordenador da Federação.
Agricultures familiares excluídos do Plano Safra
Embora o governo Federal tenha anunciado que a Agricultura Familiar é protagonista do novo Plano Safra, na prática, os agricultores familiares não enxergam vantagens nesse novo planejamento, isso porque o reajuste anunciado, de 19%, não considera a alta drástica no custo da produção.
Outro elemento que também gerou controvérsias entre os trabalhadores do campo é o aumento nos juros do Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), que passou de 2,7% a cerca de 4,5%.
A FETRAF-SC realizou um levantamento nas suas oito microrregiões do Estado, que representam 123 municípios de Santa Catarina, e constatou que, neste último ano, houve aumento no custo da produção entre 35 e 45%, dependendo da localidade.
Na propriedade da Rosane, a família se dedica à produção leiteira, e confirma a dificuldade em lidar com o aumento significativo no custo de sua produção. “Eu comparei os gastos desse ano com o ano passado, e tem coisas que dobraram de valor”, explica a agricultora, confirmando uma alta de aproximadamente 40% no investimento total para a família poder produzir.
Para a Federação que representa a Agricultura Familiar em Santa Catarina, é preciso ter atenção com as narrativas do governo Federal por meio do Ministério da Agricultura, “esse Plano foi pensando dentro dos gabinetes, sem olhar em nenhum momento para a Agricultura Familiar, que ficou completamente esquecida”, critica a Federação.
Seguro Agrícola prejudicado
Ainda sobre o Plano Safra 21/22, outro prejuízo confirmado é na seguridade desses agricultores. O governo destinou apenas R$ 1 bilhão para a Subvenção ao Prêmio do Programa de Seguro Rural (PSR) e ainda liberou R$ 50 milhões para estimular esses trabalhadores do campo a procurarem o seguro privado.
Para a FETRAF-SC, essa intenção em migrar o Seguro Agrícola do campo público para o privado representa uma armadilha para a Agricultura Familiar, à medida que reduz ainda mais a voz dos agricultores e privilegia os grandes empresários.
“Sem opção para garantir a segurança da produção, os agricultores estarão sujeitos às decisões unilaterais das organizações privadas, que poderão aumentar o valor do seguro deliberadamente, sem discussão”, alerta a Federação.
A FETRAF-SC acredita que as políticas públicas voltadas para a Agricultura Familiar devem ser construídas em conjunto com a categoria, “enquanto as entidades do campo seguirem sendo excluídas desse processo, vamos continuar vendo o governo anunciar medidas que apenas têm efeito placebo para nossa Agricultura Familiar”.