Era final da manhã do dia 25 de agosto quando Nilziane Ricardo Rodrigues da Silva, agricultura familiar de Sangão, sul de Santa Catarina, recebeu a informação em um grupo de whatsapp do sindicato, que o presidente Bolsonaro havia vetado a maior parte do Projeto de Lei 735 que iria garantir crédito emergencial aos Agricultores e Agricultoras Familiares.
Com queda de 85% na renda, decorrente do fechamento de lanchonetes e restaurantes durante a pandemia, somado aos impactos decorrente do longo período de seca que assolou o estado, a Agricultora que trabalha com o esposo e sustenta mais três filhos, contava com este recurso para equilibrar as contas da casa e conseguir regularizar a produção. Sem o recurso, e com o projeto de lei descaracterizado, a família que tem como principal recurso a venda de aipim congelado ao comércio local, vai ter que repensar os seus gastos.
“Vendíamos em torno de 17 mil reais mensais, grande parte desse dinheiro revertido em investimentos para a produção. Com a queda de 85% do faturamento, estamos tirando em torno de R$2.550 por mês e temos uma conta de energia que beira os R$2.800”, relata a Agricultora que já vendeu um pedaço de terra para pagar contas de financiamento.
O Projeto de Lei, promulgado como Lei 14.048/2020 (chamado de Lei Assis de Carvalho) havia sido aprovado quase que por ampla maioria na Câmara dos Deputados e por unanimidade no Senado Federal, mas foi vetado ao chegar às mãos de Bolsonaro.
Das propostas construídas através das organizações da Agricultura Familiar, 14 foram vetadas, como o auxílio emergencial de R$600 para Agricultores Familiares e R$1.200 para Agricultoras chefes de família; o fomento para Agricultores e Agricultoras em situação de extrema pobreza; concessão do Benefício Garantia-Safra; o Programa de Atendimento a concessão do Benefício Garantia-Safra; o Programa de Atendimento Emergencial à Agricultura Familiar – complemento emergencial ao PAA; a prorrogação de dívidas e suspensão de cobranças judiciais e execuções; a possibilidade de rebates, repactuações e descontos para liquidações de dívidas de operações de crédito rural; e criação de novas linhas de crédito emergencial do Pronaf.
FALTA DE ASSISTÊNCIA PODE DESABASTECER O PAÍS – Responsáveis pela produção de 70% dos alimentos consumidos pelos brasileiros, a falta de programas que atendam os Agricultores/as Familiares em meio à crise sanitária e econômica do coronavírus, pode gerar o desabastecimento da produção de comida no Brasil. A crise, segundodados do IBGE, já trouxe reflexo para 51% das famílias de Agricultores que tiveram perca de renda durante a pandemia.
O coordenador geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura Familiar – CONTRAF Brasil, Marcos Rochinski, ressalta que pode impactar na mesa dos/as trabalhadores/as da cidade, caso Agricultores e Agricultoras continuem sem recursos para produzir, acumulando dívidas e sem políticas específicas que gerenciem a crise no campo. “Se o Agricultor e Agricultora Familiar deixar de produzir, por que não tem condições de estar plantando, consequentemente começará a faltar alimento nos grandes centros. Será um reflexo do desestímulo e desestrutura de quem está produzindo e que não tem perspectivas de se recuperar”, explica Marcos.
PROJETO PREVIA VALORIZAÇÃO DA MULHER AGRICULTORA – De acordo com o Censo Agropecuário de 2017, 947 mil mulheres são responsáveis pela gestão das unidades de produção. Apesar deste dado que demonstra a importância de políticas específicas para as Agricultoras, Bolsonaro vetou partes do projeto que garantiam políticas emergenciais específicas para elas.
Rosane Bertotti, Agricultora Familiar de Xanxerê e Secretária de Formação da CUT, ressalta que estas medidas foram inclusas depois da organização dos movimentos das mulheres do campo que conseguiram incluir no projeto o Auxílio Emergencial de R$1.200 para as mulheres chefes de família e, também, um fomento para produção de R$3 mil para a Agricultora Familiar.
“O governo Bolsonaro é um governo que não conhece o Brasil, não conhece a Agricultura Familiar e não conhece a realidade das Agricultoras deste país. É um governo que olha para o grande capital, olha para os grandes financeiristas e não olha para os trabalhadores e as trabalhadoras”, destaca Rosane.
A LUTA AGORA É PARA DERRUBADA DO VETO – Os movimentos que representam a Agricultura Familiar já estão mobilizados para conseguir derrubar o veto do presidente Bolsonaro no Congresso Nacional.
O deputado federal Zé Neto (PT-BA), autor do projeto na Câmara dos Deputados comparou a posição do Bolsonaro ao Novo Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica), em que o presidente se colocou contra o projeto e sofreu uma reação do Congresso Nacional que criticou a sua postura. “Eu acredito na mobilização dos movimentos e na pressão aos parlamentares, que certamente serão cobrados da derrubada do veto e da valorização da Agricultura Familiar”, ressalta o parlamentar.
Zé Neto, está otimista. Para ele é necessário que o governo tenha políticas claras de ajuda aos mais pobres, como tem feito governantes em todo o mundo. “O mundo inteiro mostra a necessidade que os governos atuem em defesa dos mais humildes, em especial aos que produzem alimento”.
Os vetos precisam ser apreciados até dia 24 de setembro, depois disso ele tranca a pauta da Câmara. Até lá as organizações do campo seguem em diálogo com os/as parlamentares e com uma campanha nas redes que envolvem centenas de Agricultores e Agricultoras Familiares de todo o Brasil que exigem valorização e respeito a quem produz alimento no Brasil.
Matéria: Sílvia Medeiros – Jornalista FETRAF/SC