É preciso voltar… reencontrar o caminho de onde viemos. Ainda é tempo de rememorar nossos espíritos, visitar a pia de nosso batismo na luta, de beber nas palavras do poeta Thiago de Mello: ‘’Faz escuro, mas eu canto, porque a manhã vai chegar. Vem ver comigo, companheiro, a cor do mundo mudar. Vale a pena não dormir para esperar a cor do mundo mudar’’. – Urge-nos levantar: com olhos no mundo, no local, sem pontualidades dispersas e com transversalidades correlatas. É preciso entender que não há outra alternativa, é imprescindível reencontrar o caminho de nossas origens, guardado no tempo sob o nome de Trabalho de Base.
Faz-se necessário reencontrar o velho ‘corpo a corpo’, estender às mãos, olhar nos olhos, oferecer o ouvido, oportunizar a fala, queixas e as contradições – de outro modo, desapareceremos como silêncio, diluídos como categorias. É preciso reagrupar, promover um novo batismo de reinserção, nos reconverter ao caminho e identidade de classe trabalhadora, levantar das cinzas como uma Fênix subjugada pelo neoliberalismo, que ao nos individualizar, congelou-nos, imobilizando como energia da luta e organização. Novamente recorro ao poeta: ‘’Não importa que doa: é tempo de avançar de mão dada com quem vai no mesmo rumo… É tempo sobretudo de deixar de ser apenas a solitária vanguarda de nós mesmos. Se trata de ir ao encontro. Se trata de abrir o rumo. Os que virão, serão povo, e saber serão, lutando’’.
E porque deste apelo? – Porque assessorando a Fetraf Santa Catarina nos últimos anos, falar de organização e trabalho de base (para além da linda história) não é novidade. Fizemos pesquisa e diagnóstico na base para entender os desafios. Com os dados coletados passamos realizar atividades de formação, fomentamos processos de multiplicadores, planejamentos de ações em sindicatos, materiais de publicidade, curso para intervenções via diálogo, atividades de contato (corpo a corpo), momentos de troca de saberes com o mestre Ranulfo. Alguns resultados dizem onde e quem fez a experiência. O que reafirma a máxima: ‘A prática é o critério da verdade e a reflexão implica a ação’ – ou seja, embora no caminho, falta muito ainda. Principalmente, na compreensão da necessidade de livrar-se do burocratismo e comodismo que muitos dirigentes se prenderam. É preciso sair para encontrar a base, não esperar contribuições/dinheiro que não vão chegar se não associar o trabalhador.
Sempre que convidado para atividades de debate, reflexão, planejamento e proposição nos últimos anos, tenho por compromisso dizer que se não renovarmos, não só a mentalidade na linha de frente de parte do movimento sindical, extirpar vícios enraizado e aquele ‘profissionalismo’ de carreira incrustado nas entidades, veremos consolidada o que o filósofo Jean Baudrillard dizia: ‘’A imagem do homem sentado, contemplando num dia de greve geral sua tela de televisão vazia, constituirá no futuro uma das mais deprimentes imagens da antropologia de nosso século’’. – A não consolidação e naturalização desta realidade só é possível com um novo tempo de partida, de reencontro com a base de trabalhadores, oportunizando a participação, formação e reinserção na luta de classe – o sujeito de luta é o objeto da ação.
Mas não sair por sair, precisamos estudar a realidade, ler mais para nos inteirar, nos renovar, revigorar e ser capaz de admitir esta necessidade. Não se trata de revisionismo, e sim, de capacidade de recolocar-se no processo, ciente que em algum momento no caminho dos últimos anos nos perdemos. Que os trabalhadores tiveram suas vidas privatizadas, sua força de trabalho, sua hora de amar e seu direito de pensar como dissera Bertold Brecht. Reconquistar parte deste terreno perdido pelo avanço do capital, pela despolitização, diluição do sentido de classe exige esforço, tempo de reflexão e atitude para ações ousadas, sacrifícios, doação, compromisso e acima de tudo, humildade para reconhecer que certos limites não cabem na luta de classe – e aqui se necessário, abrir caminho para quem está disposto a assumir a linha de frente. Do contrário, não passaremos de multidões famintas e desorientadas em êxodo, massas despolitizadas, boiada sem rumo, praças vazias, meras pipetas do capital, matéria orgânica na diluição cósmica, memórias passageiras e vazias.
Um começo neste processo, passa pelo dirigente disposto a visitar referenciais como o roteiro de textos organizado pelo CEPIS e proposto no livro ‘Trabalho de Base’ compilados por Ranulfo Peloso para ‘Expressão Popular’ (na Fetraf tem exemplares a venda). Já trabalhei este roteiro em atividades de formação em muitos sindicatos e o referencio como bíblia de cabeceira de todo sindicalista comprometido, como instrumento importante de orientação para a organização e luta no movimento sindical. Não tenha medo de ler, pois um livro tem que ser machado a quebrar os gelos presentes em nós. Acima de tudo, é necessário rememorar que somos processo continuo de transformação e Karl Marx disse: ‘a prática é o único critério da verdade’. Ou seja, não há receita mágica para o trabalho de base, o melhor modo de fazer é fazendo – abra o livro, se encontre, se identifique, se sinta caminho e protagonismo.
E não esqueçamos: se Cuba que já fez uma revolução há mais de meio século segue fazendo formação sobre organização e trabalho de base, talvez isso nos sirva, senão de lição, como orientação. Do contrário, não é difícil acreditar no fim da história, do sujeito político e primazia da coisificação: eu, você, o mundo, reduzido a meras coisas.
Prof. Neuri Adilio Alves
Assessor de formação e elaboração na Fetraf-SC