”Não é o vírus que nos mata, morreremos de irresponsabilidades assistidas e vilipendiadas”
Assombroso, mas não suficiente! Sete séculos depois, oportunizados estamos a nos beliscar novamente. Se os fatos ainda não eram suficientes, temos agora uma quarentena tentando nos livrar do pior – final da espécie. Da invisibilidade inicial da ‘Peste Negra’ que ceifou milhões de vidas na eurásia aos dias atuais, (afora a visível explosão nuclear) não tivemos nenhuma outra oportunidade de confrontarmo-nos com nossa limitada capacidade de lidar com o invisível – sim invisível. Os vírus são parcelas do invisível que se revela no temor da presença, terror do encontro, trabalho da ciência e dor materializada aos que ficam, após letalidade sobre os que partem. O momento que vivemos seria mera coincidência? Certo que não!
Diante de um mundo que se revela excessivamente no estético, nos priva do temor forjando falsa autossuficiência, nos isenta da reflexão ao que compõe a aparente visibilidade estética, cedo ou tarde seremos devorados pela frágil arrogância de seres bem informados, através do poder destrutivo que emerge do invisível. E falar do que aparentemente ‘vemos’ não é tratar do que arrogantemente sabemos, decidimos e dominamos sobre nós mesmo. É dizer sim, que pouco sabemos ou controlamos no mundo a nossa volta – na síntese: somos presas cativas do visível e vítimas fáceis do invisível em parte pela dificuldade de assimilar e aceitar.
Dos assombros vividos, rememoro minha tenra idade em meados dos anos 80, pré-adolescente curtindo nas ondas de rádio a explosão planetária da banda inglesa Queen. Aos doze anos ouvi pela primeira vez ‘Who Wants to Live Forever?’ (Quem quer viver para sempre?) em um dos discos emblemáticos da história da música lançado em 1986, período em que o planeta refletiu profundamente sobre questões existenciais/sociais através do Rock Progressivo com suas letras revelando e provocando reflexões acerca de realidades. Na letra em questão o genial Freddie Mercury da singularidade inconfundível de sua voz a melodia tocante nos provoca profundamente: ‘’Não há tempo para nós, não há lugar para nós. O que é essa coisa que constrói nossos sonhos e vai para longe de nós? – Não há chance para nós, é tudo decidido para nós’’.
São letras que revelam invisíveis, desnudam assombros da vida, denunciam controles sobre nós, iluminam partes do obscurantismo que o mundo nos impõe. Sejam elas, embaladas por um ‘The Wall’ de Pink Floyd tratando de nossas prisões e privações existenciais, até um ‘Muro e Grades’ de nosso Engenheiros do Hawaii, no emblemático disco de meados da mesma década e emblemática letra: ‘’Nas grandes cidades do pequeno dia-a-dia, o medo nos leva a tudo, sobretudo a fantasia. Então erguemos muros que nos dão a garantia. De que morreremos cheios de uma vida tão vazia (…) Um dia super, uma noite super. Uma vida superficial. Entre as sombras entre as sobras… Da nossa escassez’’. – E porque rememorar tais canções? – Porque é difícil acreditar que um mundo de falsos empoderamento, excessos de prepotência, falsa segurança nos levará muito longe cantando no ritmo do ‘Tudo Ok’: ‘’Cabelo ok, marquinha ok, sobrancelha ok, a unha tá ok’’ – como se o completar da mensagem fosse: quarentena ok, comida ok, vida Ok!!!’’
COVID 19 não é uma novidade é a realidade que assombra. Ele salta do obscurantismo de um mundo explicado por Darwin (mutação/adaptação), compreendido, mas não dominado pela ciência. Tão característico de processos cumulativos de compreensão, cuidados permanentes, investimentos em pesquisas e responsabilidades governamentais – Sim, responsabilidades de governos, o que não reflete o nosso. Um país que caminha para a destruição de seus processos de produção cientifica, esterilização de investimentos e condenação de seu povo a misérias. Imposição as quarentenas estendidas, do cuidados com infecções, isolamento da cidadania, civilidade e direito mínimo a dignidade de grande parte da população. Não é o vírus que nos mata, morreremos de irresponsabilidades assistidas e vilipendiadas.
Não precisamos responder a grande pergunta ‘Quem quer vive para sempre?’, pois Mercury responde dizendo que o sempre é o nosso hoje, e ninguém espera para sempre do mesmo modo. Ou seja, se amar para sempre (apesar de nosso esforço) não venha ser o preceito total, que ao menos o odiar não seja o nosso desejo final. Pois, não consigo silenciar a voz de Gessinger cantando: ‘’Nas grandes cidades de um país tão irreal. Os muros e grades nos protegem de nosso próprio mal’’. – Então, em que temores e grades protegemos nossas vidas do invisível hoje?
Neuri A. Alves – Professor, pesquisador em Antropologia Filosófica Existencial. Assessor de Formação e Elaboração na Fetraf-SC/CUT