O patriarcado é um sistema político de domínio universal do masculino sobre o feminino, baseado na força e na submissão, que, segundo Siliprandi (2009, p. 59), tem como principais componentes: “o status (condições de acesso ao poder), o temperamento (obtido por meio da socialização de gênero), e o papel social (expresso na divisão sexual do trabalho).”
No campo e na cultura camponesa, mesmo diante de muitas condições positivas em relação à natureza, à biodiversidade, ao desenvolvimento endógeno, etc., o patriarcado está muito presente, sendo essa uma condição a ser superada no resgate crítico da cultura camponesa para o futuro. O papel social resultante da divisão sexual do trabalho coloca as mulheres agriculturas camponesas em condição de grande desigualdade quanto à quantidade e diversidade de trabalho exercido nas unidades familiares/camponesas.
Além das tarefas na produção, cabe à responsabilidade pela cozinha, pelos cuidados com os filhos, pela limpeza da casa, lavação das roupas, horta, pelos pequenos animais, pelo jardim e outros. São tarefas relacionadas ao sistema produtivo, reprodutivo e do bem estar da família. Há muitas situações já diferenciadas, em que as tarefas são partilhadas de forma mais igualitária, embora nem sempre é também assim nas relações de poder. Embora a base material mais visível seja a divisão sexual do trabalho, a diferenciação de gênero é exercida e expressa nos aspectos econômicos, culturais, simbólicos, nas vivências relacionais e sociais.
De forma geral, a titularidade da terra, as declarações de rendimentos, as associações nos sindicatos e nas cooperativas são realizadas em nome dos homens, e as mulheres são apresentadas como dependentes. Essa condição, conforme Esmeraldo (2013), expressa o lugar invisível da mulher no modo de produção camponês. Portanto, sem terra, sem dinheiro, sem espaço e poder, e exercendo dupla ou tripla jornada, apresenta-se dificultada a sua própria auto-organização, o que evidencia a importância da contribuição masculina e das organizações; no caso, da contribuição do Cooperativismo Solidário na construção da igualdade de gênero junto à agricultura familiar/ camponesa.
A partir da organização das mulheres em movimento, importantes conquistas se realizaram, especialmente no que se refere às políticas de direitos sociais; mas, segundo Siliprandi (2009), persiste uma aceitação acrítica generalizada sobre a opressão das mulheres, e, diante dessa conformação, é necessário buscar a superação de forma racional, voluntária e permanentemente.
É também expressão da desigualdade de gênero a pouca participação das mulheres nos espaços organizacionais, como sindicatos, cooperativas, partido e cargos públicos, e as diferenciações nas funções empresariais. É a expressão da divisão social (de classe) e sexual do trabalho e da existência social.
É a organização das próprias mulheres como movimento autônomo que tem proporcionado os avanços mais expressivos na luta pelos direitos e pela igualdade de gênero. As diversas iniciativas organizacionais das mulheres, hoje, se articulam por meio do Movimento de Mulheres Camponesas, que é um movimento social popular, de caráter autônomo, democrático, feminista e de massas. O Movimento luta pela mudança nas relações entre homens e mulheres e por transformações na sociedade visando à construção de uma nova sociedade, que resgate o valor humano, estabelecendo relações equitativas entre as pessoas em equilíbrio com a natureza, numa perspectiva socialista e democrática. Pois, mudanças mais expressivas nas relações humanas dependem também de transformações estruturais no modo de produção, de mudanças dos atuais padrões de consumo e de reconstrução das relações sociais.
A organização das mulheres foi fundamental para os principais avanços conquistados até aqui, justificando a afirmação de Paulo Freire (1987): “ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: as mulheres se libertam em comunhão”. Portanto, é fundamental o desafio da ampliação da formação e o reforço organizacional desse segmento, a ser exercido nos processos e projetos junto à agricultura familiar/ camponesa e suas organizações.
No campo, as mulheres tiveram e têm papel decisivo nas unidades familiares/ camponesas, como visto acima, e, apesar das conquistas e dos avanços, a desigualdade nas condições de trabalho e de existência ainda estão presentes. Há alguns avanços, como visto acima, e eles são resultado da luta histórica das mulheres. Mas, mesmo assim, o patriarcado permanece forte no campo, em atividades antes realizadas basicamente pelas mulheres, e até mesmo em atividades ou propostas que, na sua fundamentação propositiva, incorporam a igualdade de gênero, o patriarcado persiste forte, conforme supracitado.
Apesar desse importante papel das mulheres no campo, da amplitude de responsabilidades atribuídas a elas, que lhes impõem dupla ou até tripla jornada, há uma grande invisibilidade do seu trabalho. Por isso, esse tema precisa ser pautado, corrigidas as condições de desigualdade e revisadas as relações de poder. Também, é necessário realizar ajustes na divisão das tarefas e responsabilidades, tanto na produção como nas atividades de subsistência, nos afazeres domésticos e na organização familiar. Sem esses ajustes, as mulheres têm grande dificuldade de atuação social e participação nos processos organizacionais.
As condições de desigualdade e dificuldades se fazem presentes também no cooperativismo solidário, conforme expresso na Carta de Medianeira: “… persiste a necessidade de se atingir a igual participação feminina nas instâncias de tomadas de decisão das cooperativas e nos espaços públicos.”
Essa busca pela igualdade e pela participação das mulheres é impulsionada principalmente por dois elementos:
- As situações de opressão que se materializam em submissão e desvalorização, vivenciadas também no ambiente das cooperativas;
- O trabalho produtivo nas unidades familiares e nas cooperativas, aliado ao trabalho reprodutivo que faz dessas mulheres vítimas silenciosas de violências de gênero, econômica, doméstica e simbólica.
Observação: este texto é fragmento de uma elaboração mais profunda e ampla, compilado aqui em uma pequena síntese para provocação temática ao 08 de março.
Por Professor, dr Valdemar Arl, engenheiro agrônomo, especialista, mestre e doutor em Agroecologia.