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Contexto e desafios para juventude

foto do rosto do professor Valdemar Arl

Por Valdemar Arl*

O momento histórico que a humanidade vive é de crescentes crises, sendo que, dado à gravidade do atual contexto ambiental, social e econômico já não são suficientes ajustes conjunturais e propostas compensatórias, muito menos iniciativas isoladas e/ou periféricas.  É um grande desafio atualizar e aprimorar nossas condições de intervir nessa conjuntura para um rearranjo estrutural da sociedade humana, a fim de hegemonizar a preservação ecológica e coevolução numa interação positiva nos agroecossistemas e ecossistemas como um todo, e em uma proposta de desenvolvimento fundamentada no estabelecimento de uma interação e relação humana positiva na sociedade.

No atual contexto, no campo, amplia-se a concentração e integração entre a agricultura, produção de insumos, grandes complexos agroindustriais, as redes de supermercados e o capital financeiro, exercidos por grandes corporações multinacionais,  formando «impérios agro alimentares», que controlam ou ampliam o controle sobre a produção e o consumo, provocando grandes mudanças na agricultura, na estrutura agrária e na estrutura e formas de relação entre a produção e o consumo no Brasil, tomando fisicamente e ideologicamente os territórios.

Prevalece a dominação comandada por grandes corporações pautadas pelo lucro e pela dominação, exercida através das sementes, da base tecnológica e do servilismo da ciência, da submissão ao sistema financeiro, vinculação do crédito ao modelo e da submissão dos governos. Trata-se de um contexto excludente e concentrador repleto de desafios para resistência e sobrevivência da agricultura familiar/camponesa e, permanência e afirmação da juventude no campo. Mas, apresenta também novas possibilidades e oportunidades e desafia à construção de um novo caminho para a agricultura familiar/camponesa. A rebeldia jovem tenciona com a existência humana convencionada reagindo de forma consciente ou inconscientemente, da mesma forma tenciona com as contradições estabelecidas com a natureza humana, mas na maioria das vezes inconscientemente.

Para a juventude do campo além do desafio de construção de um projeto de vida e inserção econômica apresentam-se os desafios da falta de espaço e autonomia decisória na sucessão e o desafio do acesso à terra. Especialmente diante do atual momento de crise, condições da multifuncionalidade do campo (como veremos adiante) se apresentam como um potencial seja na forma de sobreviver e existir (modo de vida), seja no seu papel de geração de trabalho e renda, seja no seu papel relacionado à soberania e segurança alimentar. As consequências do contexto perverso na realidade do campo brasileiro têm grande influência sobre a exclusão e o êxodo rural da juventude, diante da obtenção de renda insuficiente, falta de terra, falta de políticas públicas de apoio, e dificuldades nas relações sociais de produção e existência decorrentes do patriarcado.

No debate da reafirmação da agricultura familiar/camponesa na produção de alimentos saudáveis apresenta-se uma estratégia e oportunidade de produção e articulação com o consumo, e possibilidades/ oportunidades para a juventude do campo. Outros caminhos para juventude a partir do campo: multifuncionalidade e pluriatividade. A multifuncionalidade da agricultura familiar/camponesa relaciona-se ao seu papel no desenvolvimento e na sociedade. Já a pluriatividade ainda é um debate relativamente novo no Brasil e muito relacionado a contextos específicos ou localizados e que tem maior ou menor influência direta no desenvolvimento da agricultura familiar/camponesa.

A pluriatividade pode assumir também significados que vão além da estratégia de sobrevivência de desenvolvimento da agricultura familiar/camponesa em si, e está relacionada à adaptação e ao contexto do entorno sócio econômico de espaço agrário envolvendo oportunidades a membros da família ou às famílias, que continuam a viver no campo, com pequena relação produtiva e muito mais voltada ao autoconsumo, e buscando sua realização econômica em outras atividades no entorno. No campo, ela rompe definitivamente com a dicotomia campo-cidade estabelecendo uma continuidade que alguns autores chamam de “rurbano’’, mas sobretudo cria uma possibilidade para juventude de continuar vivendo no campo mesmo atuando em outros segmentos da economia, ou até mesmo em elos da própria produção do campo, como no caso da agroindustrialização.

Cada vez mais campo e cidade se tornam complementares embora relativamente independentes, condição esta que pode e deve ser reforçada em várias dimensões na geração de trabalho e renda, como espaço de existência e moradia e na construção da soberania e segurança alimentar. Considerando as juventudes também como uma construção social, poderá haver tantas juventudes quanto sociedades e em cada sociedade juventudes diferenciadas por classe, por raça e cor, gênero, cultura e outras complexidades presentes. A juventude do campo se caracteriza como mais uma diferenciação de realidade a que está submetida e também é uma identidade em um contexto heterogêneo e multidimensional.

Transformações mais recentes no “mundo rural” ampliam a aproximação e interação com as cidades criando novos espaços de socialização da juventude, e interferindo na mudança de valores e comportamentos. A valorização do estudo e maior comunicação e interação direta com a cidade, maior facilidade de deslocamento, criam novas aspirações para os jovens e seus projetos de vida. Estas condições, segundo Maria José Carneiro (1998), trazem ao campo bens e valores urbanos, mas também amplia a valorização do campo por parte da cidade, criando um ideal “rurbano”, ampliando a imprecisão de fronteiras entre o campo e a cidade, rompendo significativamente com a histórica dicotomia entre o atraso e o desenvolvimento e ampliando a significação de cidadania para o campo.

A organização da própria juventude ainda é um processo frágil em muitos territórios e também dentro das demais organizações existentes. Por isso a organização de processos participativos requer espaços específicos para a juventude, e, é fundamental a contribuição na sua organização e fortalecimento de sua identidade, pois a permanência da juventude no campo depende de novas propostas e oportunidades, mas depende também dos sujeitos organizados propulsores destas novas condições.

Observação: Esse texto é fragmento de uma elaboração mais profunda e ampla sobre a temática.

 *Valdemar Arl é professor, engenheiro agrônomo, especialista, mestre e doutor em Agroecologia.

 

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