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Cada um com sua piscina no deserto de soja

luc com seu livro de crônicas

Ó Espírito de todo amor, dá-me a esperança para vencer todas as minhas ilusões. Plante em meu coração a sementeira do amor e ajuda-me a fazer feliz o maior número possível de pessoas, para ampliar os seus dias risonhos e reduzir suas noites tristonhas. Transforma as pessoas que são rivais em companheiras, meus companheiros em amigos e meus amigos e amigas em entes queridos. Dá-me a graça de saber perdoar e afasta de mim qualquer desejo de vingança. Ilumina meus olhos para ver meus defeitos e venda-os para que eu não veja ou comente os defeitos dos outros. Enche meu coração com a divina fé para sempre louvar o teu nome e fazer de mim uma pessoa justa. Amém.

(Oração da Sabedoria – Tradição da Umbanda)

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No momento, estou viajando para o Brasil pela 25a. vez. Talvez a última vez? Quem sabe como é a vida?

Eu viajo principalmente de ônibus, porém usei duas vezes o avião, para distâncias extremamente longas. Uma questão de ficar de olho na minha pegada de carbono. Viagens de ida e volta cruzando o oceano também são feitas de avião, é claro. Ainda não tive a oportunidade de viajar durante um mês em um navio de transporte de soja.

 Assim aterrissamos ontem em Brasília. Brasília, o sonho do início da década de 60 do século XX. Um sonho onde não havia lugar para a pobreza e os pobres. Isso parece ter mudado consideravelmente ao longo do tempo. Durante a aterrissagem, sobrevoamos bairros suburbanos pobres e, de repente, um bairro mais rico, onde cada casa tem sua própria piscina. Uma vez vi a mesma coisa ao chegar em Recife, no nordeste árido. No entanto, é particularmente extraordinário aqui no Cerrado, onde o abastecimento de água se torna mais problemático ano após ano, mesmo tendo um imenso mar subterrâneo. O ‘Aquífero Guarani’ é um desses reservatórios de água, formado graças às gramíneas e arbustos com suas raízes profundas e as árvores, é claro: infiltração de água por mais de 45 milhões de anos. Os rios mais importantes do Brasil nascem aqui perto de Brasília. No Cerrado devastado, o coração do Brasil.

 Em Brasília, pego um ônibus para Oca do Sol, um centro de coordenação de muitos projetos do Cerrado, inclusive sobre a proteção das nascentes de água ameaçadas de extinção. No caminho, vemos pessoas mendigando junto aos semáforos vermelhos, como estamos acostumados a ver em Bruxelas. A pobreza está globalizada e a distância entre ricos e pobres está aumentando, especialmente após quatro anos da presidência de Jair Messias Bolsonaro. Os ônibus chegam e partem, alimentados por ‘biodiesel’. O biodiesel tem pouco a ver com ‘bio’, mas é proveniente dos vastos campos de soja pulverizados com veneno. Desertos de soja.  Venenos produzidos principalmente na Europa: Bayer, BASF, Syngenta. O biodiesel é um subproduto da soja (540 litros por hectare). Subproduto, porque, no Brasil,  a soja é cultivada principalmente para a alimentação do gado direcionada à Europa e à China.

Biodiesel a partir de soja?

 Quem vem dirigindo lá? Um fazendeiro com um 4×4 com dois decalques na parte traseira, com a imagem de Bolsonaro e o slogan “Brasil para os Brasileiros”. Sim, o presidente da extrema-direita ainda é apoiado pelo exército, pela agroindústria e pelas igrejas pentecostais. Portanto, será as eleições de outubro serão cheias de emoções.

Oca do Sol é cercado por duas famílias evangélicas (que apoiam Bolsonaro), um centro de Candomblé e de Umbanda (duas religiões de matriz africana que inspiram muitas).

Planeta verde

 Como tenho problemas com minha voz, minha anfitriã me conduz a um centro espiritual ‘Planeta verde’. Muitos grupos se reúnem ali em busca de harmonia, mas também realizam ali sessões de biomagnetismo (1). Completamente novo para mim. Aparentemente foi criado por um mexicano, para detectar – e curar – doenças, bactérias e vírus em seu corpo. Usando ímãs. Muito especial e revelador.

 Como o centro ‘Planeta verde’ é bastante distante e o tanque está quase vazio, passamos por dois postos de gasolina. Em ambos há duas filas imensas de pessoas esperando. Comparável aos engarrafamentos de trânsito na Grã-Bretanha em razão do Brexit. Aqui, no entanto, o motivo é outro. Apesar do aumento dos preços, os brasileiros continuam a se deslocar rpidamente em seus carros. Também aqui, vale a lei do mais forte. Enquanto uns esperam pacientemente na fila, uma 4×4 fura a fila e exige seu lugar na frente.

Cada um com sua piscina, cada um com seu carro. Pelo menos, para as classes altas, que podem pagar por tudo isso.

 

Brasília, 1 de maio de 2022

 

(1) https://www.kompasgeertfranssen.nl/biomagnetisme

*Luc Vankrunkelsven é ecofilósofo, escritor e ativista belga, apaixonado pelo Brasil e pelas causas da Agricultura Familiar.

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