Por prof. Neuri A. Alves *
Na escola de samba de nossas vidas, carnaval é metáfora de multi mundos. Embora os fanatismos imundos se mostrem caverna escura de irracionalidades, e estes, transmutados em mecanismos de negação da realidade. Porque dizer isso? – Por que é fácil perceber juízos contaminados com ‘adjetivismos’ puritanos ou pré juízos viciados, em plena nudez da compreensão que festas são parte da cultura, do todo que permeia a nossa vida. E que independente de aprovações ou reprovações, o carro abre alas de nossa existência está em movimento, e sob aplausos ou vaias cruza a avenida de nosso tempo. Com ele, nossos avatares, alegorias e adereços, figurinistas, ritmistas, misérias e luxurias, razão e loucuras. E claro, das melodias marcadas da batida de tambores, aos gritos de euforia ou pega ladrão. Enquanto a festa como flexa, atravessa noites e dias diante dos foliões.
Não adianta apelar para o juízo do gosto, refutar o mundo com as cartilhas dogmáticas de nossos mundinhos. Não adianta nossas lentes de preceitos e ortodoxias, quando o nosso defeito for a nossa alegria de sentir a vida como vibração. Como dizem por aí: corpo que cessa movimento esfria. O momento é agora, é o desfile da vida real, da nudez vivencial em sociedade, da sensatez sem fantasia. Sim, é a hora de cantar, extravasar, pular livremente, alforriar os espíritos em meio a oportuna folia. Mas também, respeitar a quem prefere as clausuras do recolhimento. Respeitar é dever, respirar um direito, sorrir é remédio, mover-se é preceito. Mas fato mesmo, é que ninguém segura o que emerge para ser livre, viver e propor-se a transformação social em movimento.
No carnaval de nossas vidas, ninguém entra vazio na avenida. Levamos para batuque do tempo oportuno as dolorosas perdas, o amargo desemprego, as violências covardes, as hemorrágicas feridas e também, nossas causas assumidas. O samba cantado é enredo da vida, homeopatia de esperança em doses servidas, um lampião vitorioso sobre a burguesia polida. Da concentração ao recuo, este país é avenida, sinalizado, engarrafado, agitado, repleto de cores, sorrisos e poses. O carro alegórico que leva as nossas vidas tem de tudo. Daquilo que mais desejamos ao que sobra em tudo que somos, um país de alegrias diversas e utopias coletivas. Somos alas glamurosas, resistentes, representativas, a vida como centralidade desfilando impávida na imensa avenida.
Há tempo a pauta do ostracismo intolerante, alimentado por ismos pentecostais, nacionais, nazi estruturais vinha fechando a grande avenida. Trocavam a festa da democracia pelo flerte com a ditadura. Destilavam o ódio, e sufocavam o óbvio na lama de mentiras. Mas nada é capaz de calar melodias preferidas, atrapalhar um passista seguro trazendo com ele a multidão de foliões otimistas. É a escola Brasil em desfile, trazendo com ela: educação, moradia, emprego, ciência e tecnologia. Agricultura, originários, comunidades, espíritos das florestas, diversidade de gênero e toda nossa cultura. Tem ciência, indústria, desenvolvimento e cidadania. Tem o povo como riqueza, o respeito como direito e a vida como centralidade e única via.
Por isso, no carro abre alas vão desempregados, os milhões de famintos pedindo comida. E enquanto na ala da vida, Yanomamis velam doentes e choram seus mortos, garimpeiros ilegais empreendem fuga e golpistas figuram em celas da colmeia e papuda. O tempo é curto, a pressa é grande. Urge acelerar o carro do crescimento, capaz de promover inclusão, gerando empregos, renda, moradia, dignidade e desenvolvimento. A velha guarda conhece o trajeto, passistas afiguram projetos, ritmistas preenchem vazios. E enquanto na ala de senhoras se partilham as agruras, no olhar vivas das crianças, um jardim florido de esperanças nos engrandece novamente como país.
Abram o caminho que essa escola avança. Não tem volta para aqueles que nascem para cruzar a avenida. Esta avenida chamado Brasil, uma apoteose de múltiplas alas, alegorias, comissões de frente. Ritmos diversos conectando horizontes do Oiapoque ao Chuí – a mais longa e multicultural marquês da Sapucaí. Por ela atravessaremos as quaresmas de outros tempos, celebraremos a páscoa da vida nova. Juntaremos as folhas do outono, dividiremos o agasalho do inverno e colheremos juntos flores da primavera.
Então de novo, como povo ocuparemos praças, rodovias, estradas, trilhas e avenidas reafirmando nossas lutas, nossa cultura. A estrutura de um novo ciclo de desenvolvimento. E entre apitos e gestos do grande mestre seremos alas, comissões e alegorias, bateria nota dez, nota mil. Operários, agricultores e intelectuais, autônomos, liberais ou serviços gerais, foliões comprometidos, arrastando com o enredo da alegria esse país. Inundados por repique e repinique, tarol e chocalhos, tamborins e cuicas, timbal e agogô, pandeiros e pratos, coros e repentes. Um carnaval de diferentes tocando forte na alma inquieta e vivaz de nossa gente – o Brasil de todos nós!
*Neuri A. Alves é professor, filósofo pesquisador e assessor de formação e elaboração